31 agosto 2008


Mais uma vez foram os olhos.

Os primeiros transbordavam um misto de candura e resignação. Aquela mesma candura que sempre me acariciara a face com umas mãos tão carnudas quanto meigas. A resignação chegou com as maleitas. Muitas, que esta vida teve pouco de fácil.

Meses depois foram aqueles que ainda me assombram. Já vazios e petrificados mas plenos de força, daquela estirpe que mesmo derrotada não se rende. Uma lágrima apenas e um braço que se levantou para abrir e fechar uma mão em despedida. A voz já não existia, só uma respiração inquieta e inconformada. Os olhos, novamente os olhos, abertos, imóveis, são a imagem que me ofusca as outras memorias. 

Olhos perdidos, sim. Perdidos no tempo, que o juízo tem destas coisas. Quanto mais longe mais perto quer chegar. Perdidos mas meigos como poucas vezes os tinha visto. Foi aí que me apercebi do peso que uma vida pode ter. 

Num instante seguinte, olhos aflitos por nunca mais se fecharem. Olhos que se viram impotentes com o partir dos olhos de sangue, e olhos que de tanto ansiar também partiram.

Ontem entrei no quarto, procurei na cama ao fundo distinguir um corpo e fui incapaz. Só mais perto, e lá estava não metade do homem, mas metade do corpo. Os olhos, já com menos brilho, resignados a uma partida breve.

Aliás, são sempre os olhos.