24 janeiro 2006
Rosita corta as unhas descuidadamente no terreiro defronte à entrada. Dobrada, de rabo enorme a saltar perigosamente para fora das calças, aproveita o fraco sol do meio dia, neste Janeiro frio, enquanto os restos caem ruidosamente no chão de cimento gretado. Trauteia quase imperceptivelmente ao som de uma qualquer FM popular, prende na orelha profusamente violada uma madeixa de cabelo louro só até às raizes, e ensaia um passo de dança com a vassoura enquanto varre os 20 despojos, azuis como a camisa insidiosamente aberta, que ontem à noite usou.
Rosita compõe a saia, coloca o avental, verifica o menu e abre a porta. Lá dentro já cheira.
"my bloved monster" eels
19 janeiro 2006
"- Wembley?
- parque dos príncipes
- Torneio das cinco nações?
- torneio de malha
- em ponto cruz?
- escrito à mão
- mas passado à máquina no intervalo?
- claro! mas come-se com pauzinhos...
- Com ovo a cavalo?
- só durante o intervalo
- Perdes as cheerleaders.
- ovas de cabeleira loura não me satisfizem
- E adeptos de bigode e cachecol?
- nem cavalos de saiote
- E zebras de casaco de peles?
- não ganham na primeira volta
- Abata-se."
"alice" tom waits
17 janeiro 2006
15 janeiro 2006
Monotonizar a existência, para que ela não seja monótona. Tornar anódino o quotidiano, para que a mais pequena coisa seja uma distracção. No meio do meu trabalho de todos os dias, baço, igual e inútil, surgem-me visões de fuga, vestígios sonhados de ilhas longínquas, festas em áleas de parques de outras eras, outras paisagens, outros sentimentos, outro eu.
Mas reconheço, entre dois lançamentos, que se tivesse tudo isso, nada disso seria meu.
Fernando Pessoa, in 'Livro do Desassossego'
"working class hero" john lennon
12 janeiro 2006
05 janeiro 2006
Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós!
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão
E rogar a Deus que nos guarde
Confiar-lhe o destino na mão.
Que adianta saber as marés
Os frutos e as sementeiras
Tratar por tu os ofícios
Entender o suão e os animais
Falar o dialecto da terra
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais.
E do resto entender mal
Soletrar, assinar em cruz
Não ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz.
Carlos Tê
in "Fora de Moda", Rui Veloso, 1982
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